Doutor Alberto

Se havia alguém na cidade de quem não se podia falar nada a respeito era Alberto. Homem íntegro, honesto em todas as suas atitudes e ações, daqueles tão honestos que chegam a irritar - um dia voltou ao supermercado para devolver dois centavos que foram cobrados a menos no caixa, e sabe-se lá como foi encontrar duas moedas de um centavo.

Acabou conhecido como Doutor Alberto, não por sua titulação ou algo afim, mas simplesmente pelo respeito conquistado por todos, mesmo aqueles que não o conheciam direito.

- Filho, está vendo aquele homem?
- O que tem, mãe?
- Aquele é o Doutor Alberto.

E os olhos da criança brilhavam com a de alguém que dava de cara com um ídolo.

No trabalho até seu chefe tinha receio de ir falar com ele, não por desconfiança, mas pelo receio de seu ímpeto inigualável, motivo pelo qual seus colegas evitavam falar com ele.

- Alberto, o rela...
- Tá aqui, pronto senhor.
- Você já checou...
- A encomenda feita aos fornecedores? Já, tudo certo. Previsão de entrega para amanhã, já provisionei o pagamento.
- E...
- A distribuição já está marcada, às 14:12h chega o caminhão da transportadora, previsão de carregamento de uma hora e doze minutos, conferência em trinta e dois minutos, estando pronto para partir logo em seguida.
- Então tá...

Era um cidadão de bem, assim como toda a sua família, que acabara por incorporar naturalmente suas atitudes. À mesa discutia-se muito de política, e até as crianças pareciam doutas no assunto, estando por dentro de todas as notícias, fatos e implicações que ocorriam em todas as esferas do poder.

Certo dia a polícia entrou em greve e a televisão local, antes de entrevistar o prefeito e o governador, foi entrevistar Alberto, fato que o deixou surpreso. Alberto se compadecia com a situação crítica pela qual passava a polícia e apoiava o movimento.

Logo as notícias de explosão da criminalidade se espalhavam e Alberto ficava triste e ao mesmo tempo enraivecido ao ver que grande parte da população que era considerada de bem agora ia à rua e saqueava o supermercados, lojas e comércio em geral no período em que se encontravam fechados. Criminosos em potencial, aguardando apenas a oportunidade aparecer, pipocavam em todo o canto. E Alberto seguia irredutível em seus padrões.

Algum tempo depois seu filho aparece com uma caixa gigantesca na sala.

- O que é isso?
- Uma televisão.
- E onde você conseguiu uma televisão desse tamanho?
- Lá na loja, a porta estava arrancada e estava todo mundo levando.
- Que vergonha. Por acaso foi essa a educação que te dei?
- Mas pai, é uma OLED curve 4k.
- Hum... Mas e o Home Theater?
- Não deu, o vizinho pegou o último.

E, correndo à janela, Alberto encontrou o vizinho chegando com a caixa do Home Theater. Esbravejou para todo mundo ouvir, dando de dedo:

- Ladrão! Ladrão!

Nenhum comentário:

Postar um comentário