A Menina que Consertava Barcos

Em uma pequena vila de pescadores artesanais nasceu Laura. A mãe fora vítima de um parto com complicações e total falta de estrutura e acompanhamento, mas a criança viera ao mundo forte e saudável. Criada pelo pai logo aprendeu a amar e respeitar o mar. Levantava cedo e animava-se para acompanha-lo rumo a mais um dia na vastidão do oceano.

Conforme crescia adquiria grandes habilidades e conhecimento, não tendo acesso à educação formal aprendeu a ler e realizar operações básicas com o pai, porém seu maior dom era uma empatia com a natureza como poucos tinham, mesmo naquele local. Conhecia o movimento das águas, dos ventos, das nuvens e dos pássaros e tudo que poderia representar; aprendeu a respeitar o mar, ao mesmo tempo generoso em seu sustento e assustador em condições adversas.

Ainda criança dominava muitas técnicas relacionadas às suas atividades, costurava uma rede como ninguém, lançava-a às águas com maestria e até mesmo realizava pequenas manutenções nas embarcações. A fuligem e o cheiro de diesel sempre a acompanhavam no final do dia.

Certa manhã Laura acordou apreensiva, fixando seus olhos no mar e observando a natureza que a rodeava foi falar com o pai, aquele dia não estava bom para embarcar e pescar, seu pai sorriu e carinhosamente beijo-lhe a testa falando que não havia qualquer sinal de perigo, que ela ainda tinha muito o que aprender, pois era apenas uma criança. Saiu ao mar e a menina ficou olhando, apreensiva, a embarcação sumir aos poucos no horizonte.

Após cerca de uma hora da saída do pai um vento sudeste começava a uivar e em pouco tempo a temperatura baixou drasticamente e uma ventania se estabeleceu, o mar se agitava cada vez mais e começaram a surgir gigantescas nuvens negras relampejando.

A tempestade não durou mais que quinze minutos e ao seu término Laura sentou-se à beira mar, as leves ondulações que agora iam e vinham a tocar seus pés em nada lembrava o mar arredio de pouco tempo atrás.

Preocupado o tio de Laura pegou sua embarcação, juntou alguns homens e partiu em busca do irmão.

- Não se preocupe querida, tudo vai ficar bem.

Pouco mais de uma hora se passou até que Laura observou a embarcação de seu tio rebocando a de seu pai e deu pulos de felicidade.

Porém somente seu tio e a a pequena tripulação que o acompanhava desembarcou. Palavras eram desnecessárias, Laura abraçou seu tio e chorou copiosamente. A menina, então com doze anos, tornou-se órfã.

O dia seguinte amanheceu carregado e com barulhos vindos do barracão que pertencia ao pai de Laura, parentes e colegas da vila foram ao local e encontraram a embarcação retalhada e a pequenina para lá e para cá, remexendo tábuas e ferramentas.

- Vou consertar o barco para encontrar meu pai.

Ninguém falou nada e todos se afastaram, não queriam machucar ainda mais o pobre coração da menina.

Dia após dia lá estava ela, com pedaços de madeira a curvar, pregos a pregar, cera e encerar e um barco a consertar. A todos que a perguntavam a resposta era a mesma:

- Vou consertar o barco para encontrar meu pai.

Um dia sua tia encontrou coragem e disse:

- Minha querida, seu pai não irá mais retornar.

Mas a pequenina mantinha-se firme em sua posição:

- Eu vou consertar o barco e irei encontra-lo.

O trabalho era lento, pois tinha outras tarefas a realizar, e com o passar do tempo a praia foi ganhando moradores, crescendo em infraestrutura e ganhou um colégio, onde aos quinze anos ela teve a oportunidade de começar a estudar, e cada palavra que aprendia, cada conta que fazia, a memória de seu pai aparecia vívida em sua mente. Tudo realizava em busca de seu sonho: Consertar o barco e encontrar o pai.

Certo dia não acordou muito bem, estava sentido dor no corpo e tossia muito, mas nada que abalasse seu empenho e entusiasmo, com sua dedicação e afinco o trabalho estava quase terminado. Mas o ritmo foi diminuindo muito pois seu estado foi piorando, ainda era uma jovem de 17 anos mas seu corpo parecia não corresponder ao tempo de vida. Depois de muita insistência foi à cidade com sua tia, tinham alguns parentes lá e acabou indo ao médico e realizando exames.

Um câncer juvenil a atingiu, espalhou-se por seu corpo e devastou sua saúde, o tratamento só traria incertezas e a aquela altura seria mais paliativo, para proporcionar algum bem estar e prolongar os dias que lhe restavam. Mas ela recusou, brigou com a tia e seus parentes porque queria voltar à vila.

Sua resiliência a fez terminar o barco, em segredo, durante uma madrugada. Antes de o sol nascer partira e os outros mal puderam levantar a tempo de a ver desaparecer no horizonte.

Finalmente iria encontrar seu pai.

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