O menino que não sabia ler

Eram cinco horas da manhã. Suaves raios de luz começavam a iluminar o horizonte no qual o sol ainda estava para nascer. Pedro levantou de sua cama ardendo em frio e trocou de roupa, na cozinha mal conversou com seus pais e tão pouco teve tempo de tomar um copo de leite, pois estavam todos com pressa. Subiram em uma pequena carroça puxado por um decrepito cavalo rumo ao depósito de lixo municipal, os caminhões estavam prestes a chegar da limpeza da madrugada e quem estivesse lá primeiro tinha mais chances de encontrar itens que pudessem ser vendidos ou até mesmo frutas e verduras jogadas fora mas que ainda serviriam para encher seus pratos.

Da carroça saíram três cestos, um dos quais Pedro colocou em suas costas antes de partir em sua angustiante jornada diária cercada de lixo e desilusão.

Separado dos pais Pedro foi a um canto onde um caminhão acabara de descarregar e foi em busca de algo que pudesse aproveitar. Ao chegar uma pequena pilha cheia de objetos coloridos chamou sua atenção, um dos caminhões acabara de descarregar em meio a sujeira diversos livros, muitos deles infantis, ricamente coloridos e ilustrados.

Pedro não sabia ler, mas ainda assim se encantou com o que vira. Ao abrir o primeiro livro o folheou e, dadas as ilustrações junto aos traços que não podia decifrar tentava imaginar a história que ali se passava. E assim foi com um, dois, três... Logo se perdeu em meio ao encanto que aquelas folhas o proporcionavam, ainda que não pudesse entender por completo a história que contavam. A cada página, a cada livro, seus olhos brilhavam e durante aquele momento de fantasia podia esquecer a dureza de seu dia a dia cravada em calos e marcas por todo o seu corpo.

O tempo passara rápido e Pedro se reuniu com seus pais para almoçar, e o belo sorriso em seu rosto contrastava com a expressão carrancuda de seu pai e sua mãe. Pouco puderam comer e menos ainda conversar, era hora de voltar ao trabalho. Pedro correu em disparada de volta a pilha de livros com uma alegria que dificultava esconder.

Quando a tarde já estava terminando e os catadores praticamente já haviam levado tudo o que podiam e nada de bom sobrara era hora de encontrar os pais e ir para casa.

Pedro ficou com medo.

Em seu afã de devorar os livros não havia separado nada. Pensou em pegar os livros e coloca-los em sua cesta, mas certamente seriam enviados para reciclagem e destruídos. Sabendo que enfrentaria um cruel destino resolveu esconder os livros sob algumas pilhas de lixo e retornar com o cesto vazio em suas costas e um leve sorriso no rosto que logo cerraria ao confrontar seu pai:

- Seu cesto está vazio, moleque, o que andavas fazendo?
- Não encontrei nada de bom, pra mim foi um dia terrível.
- Pois suba na carroça que seu dia terrível só está começando.

No trajeto para a casa Pedro quebra o silêncio:

- Pai, você sabe ler?
- Ler nunca trouxe comida para casa.
- Eu queria ir para a escola para - nesse momento é interrompido com um olhar que emanava ódio vindo de seu pai.

Sua casa era isolada e do lado de fora ninguém podia ouvir os urros de dor de Pedro enquanto era espancado por seu pai por não ter levado nada para casa. Na cama teve que se deitar de bruços pois suas costas estavam marcadas e em carne viva em alguns pontos, não conseguira dormir e tentava segurar o choro enquanto se retorcia de dor e alguns filetes de sangue lhe escorriam pelas costas.

Na manhã seguinte levantou cansado, com sono e muita dor. Ao invés de palavras carinhosas tudo que pode ouvir foi:

- É bom que tenha aprendido a lição, senão pode ser pior da próxima vez.

Ao desembarcar no lixão Pedro se dirige ao monte mais alto e olha a sua volta, podendo pela primeira vez perceber o que não queria para sua vida. Seguiu para onde tinha escondido a pilha de livros, colocou-os em seu cesto e fugiu, fugiu daquele inferno, de sua rotina estafante, da sua falta de futuro, da falta de um nome e sobrenome, da falta de si.

Ao não encontra-lo no almoço seu pai ficou enfurecido, ao não encontra-lo ao final do dia ficou com medo, ao não mais encontra-lo até o dia de sua morte ficou entristecido. Sua mãe não chorara a perda do marido, mas a do filho por todos os dias que lhe restaram.

De Pedro ninguém mais ali teve notícia. Uma coisa é certa, mesmo aquelas poucas páginas e seu entendimento limitado o fizeram vislumbrar seu presente e arder em si um desejo de um melhor futuro.

Copyright © 2016. Rodrigo Chedid Nogared Rossi
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