A Estátua do Nobel

    A pequena cidade de Inaperoá tinha orgulho de três coisas: sua pacificidade, suas belas praias interpoladas por um lindo morro e pelo Seu José, morador ilustre da cidade, Nobel de literatura que ali permanecera seus últimos anos, até sua morte.
    O prefeito decidiu homenagear seu cidadão mais famoso e ao mesmo tempo contribuir com o desenvolvimento de seus habitantes, em um terreno abandonado construiu uma belíssima biblioteca pública, do lado de fora uma estátua de José segurando um livro de bronze em um dos seus braços e o outro erguido, com a mão acenando em convite para uma visita. Ficou decretado que anualmente, no dia 15 de Março, data de nascimento de José, se realizaria nos jardins da biblioteca a Festa Anual do Livro de Inaperoá.
    E a estátua assistia a tudo com alegria. Mesmo sem poder se mover tinha vista privilegiada do mar e do morro, assistia o grande fluxo de pessoas rumo à biblioteca e volta e meia uma criança parava em sua frente e apontava perguntando algo para logo alguém vir e explicar o que representava. Por tantas vezes recebia visitas agradáveis de passarinhos que pousavam sobre ela, outras vezes nem tanto, mas pelo menos duas vezes por semana aparecia alguém para limpa-la e lustrar o belo livro de bronze em seu braço. E qual não foi seu regozijo ao ver a primeira Festa Anual do Livro e suas inúmeras barracas de atividades, alimentação e educação literária.
   Com o passar do tempo de pequena a cidade já não tinha tanto, as casas se amontoaram, a vista para o mar da pobre estátua já se atrapalhava e o movimento na biblioteca se dava em razão inversa ao crescimento do lugar. Nos anos seguintes o aspecto literário da Festa Anual do Livro foi ficando de lado, bancas com roletas e jogos de azar agora é que traziam diversão, não demorou para que as brigas se tornasse frequentes e a criminalidade se aproveitasse da ocasião.
    As ruas calçadas foram pavimentadas, um prédio de quatro andares de frente para o mar foi construído e bloqueou parcialmente a visão da estátua à praia. Com o passar do tempo o investimento na biblioteca foi minguando, até um dia fechar, com a promessa do prefeito que seria restaurada e se tornaria ponto turístico importante, mas largada ao abandono seu jardim logo se tornou ponto de uso de drogas e picharam a estátua de cabo a rabo com a frase: "A burguesia é um cú." Cú assim mesmo, com acento, não sei se por licença poética ou por ignorância, mais provável o segundo. O livro de bronze fora roubado e pombos cagaram-lhe os olhos, turvando a visão da estátua de José do mundo, e mais ninguém havia para lhe cuidar.
    Quanto mais decrépita se tornava a fechada biblioteca  mais escuras se tornavam as noites e mais acinzentados os dias no pequeno município.
    E a prometida reforma não veio, o terreno foi vendido e o prédio demolido. Dois operários pararam defronte a estátua e conversaram entre si.
    - Quem é esse aí?
    - Um tal de José, diz aqui que é a pessoa mais importante da história desse município.
    - Vai ver conseguiu ser ator da Globo.
    Com um único golpe de um pequeno guindaste a estátua tombou e despedaçou-se, a partir de então nada mais daquela cidade poderia enxergar.
    Melhor pra ela.

Copyright © 2015. Rodrigo Chedid Nogared Rossi
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